São Francisco

sábado, 16 de novembro de 2013

O SACERDOTE IDEAL (2ª Parte)

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No mesmo sermão Antônio afirma que a “embriaguez rouba o sentido” o que está de acordo com o cânone 13, que repreende os sacerdotes que se entregam a bebedeira e por isso podem “perder o espírito e aderir a paixões carnais”.
O pecado da gula é um dos sete pecados capitais que recebeu mais ênfase no século XIII[1] e era considerado um dos mais influentes sobre o corpo. Antônio, como outros escritores cristãos, dedica partes de sua obra para criticar os religiosos que se empanturravam e se embriagavam. Este pecado, para os pensadores cristãos do período, vai ser o caminho maior para a luxúria, sendo indicado o consumo comedido do álcool para que os religiosos não se deixassem levar pelos pecados da carne.
Frei Antônio deixa bem claro que a função do religioso é a orientação espiritual de seus fiéis, e censura o cuidado destes para com os bens materiais, como podemos ver no sermão do 5º Domingo de Pentecostes, quando o frade escreve que:
O Senhor roga ao prelado da sua Igreja que a afaste um pouco da terra, isto é, que afaste do amor dos bens terrenos os que foram confiados ao seu governo.[2]
A simonia, por exemplo, é, dentro deste âmbito das preocupações com as coisas terrenas, uma das práticas que a Igreja tenta condenar e que para Antônio deixa o sacerdote desabilitado a prestar os seus serviços espirituais, pois
Todo aquele que vender ou der o espiritual ou anexo ao espiritual por oração ou dinheiro, por palavra ou dom, por promessa ou oferta, por temor ou amor terno ou carnal, é simoníaco, e não pode salvar-se, a não ser que renuncie e faça verdadeira penitência.[3]
No Sermão do 9° Domingo de Pentecostes o frade usa o livro de Provérbios para afirmar que a  simonia é como uma “mulher insensata e clamorosa, cheia de atrativos e que nada sabe nem entende” (Prov. 9, 13-18), pois o simoníaco ao negociar o espiritual é um insensato, uma vez que, para o frade o dom de Deus é gratuito. Desta forma Antônio procura atacar de frente um dos graves problemas da Igreja do período, reforçando a idéia de que a busca da correção dos maus hábitos dos religiosos é a ferramenta mais efetiva para o combate aos hereges, já que para o franciscano a Igreja se dissipava com a simonia.


Antônio escreve que: “vendem bois os que não pregam por amor de Deus, mas por lucro temporal”, como assim fica claro nos cânone 63, 64, 65 e 66 dos decretos do Concílio, que chama esta prática de corrupção e ordena que nada pode ser pedido como permuta para o recebimento da consagração dos bispos, da benção dos abades, da ordenação dos clérigos, da entrada de irmãs nos mosteiros, para a nomeação de pároco, a sepultura dos mortos e a benção aos parentes. Podemos observar, portanto, que o religioso ideal para o teólogo tem que ser honesto e fiel à sua missão espiritual, que é ministrar os sacramentos sem cobrar ou exigir nada em troca, preocupando-se simplesmente em ser um transmissor das graças divinas, pois como ele mesmo denuncia:
...os sacerdotes, antes, para falar com mais verdade, os mercadores, estendem a rede da sua avareza para ajuntar dinheiro, porque celebram missas por causa  de dinheiro. Se não cressem que iriam receber, de forma alguma celebrariam missa. E assim um sacramento de salvação transforma-se em instrumento de cobiça.
Outro exemplo desta sua apreensão e de sua total aderência aos planos do Concílio está no trecho em que ele exemplifica, condenando todos os mais importantes religiosos da hierarquia da Igreja, dizendo que:
...Jesus Cristo, hoje é vendido por negociantes Arcebispos e Bispos e demais prelados da Igreja. Correm por aqui e por acolá, compram, vendem e revendem a verdade com mentiras e oprimem a justiça com simonias. Os bufaneiros são os abades os priores hipócritas e os falsos religiosos, que vendem pelo dinheiro do louvor humano as falsas mercadorias da santidade alheia, sob pretexto da religião, na praça da vaidade mundana.[4]
Não podemos esquecer que antes de entrar para a Ordem dos Frades Menores frei Antônio viveu entre os Cônegos Regrantes em um dos mosteiros mais ricos de Portugal. Onde com certeza para a manutenção padrão financeiro e das benesses dos superiores a simonia devia estar presente. Outro fator importante é que a Igreja de Roma vem sendo criticada em relação a sua ostentação conseguida através da troca do sagrado por bens materiais, por diversos movimentos que denominava de heréticos inclusive pelos franciscanos que também em seu modo de vida religiosa são uma contestação a política da Santa Sé. Por tudo isso Antônio procura orientar os religiosos incentivando-os a modificar estas práticas.


Antônio coloca, assim como alguns cânones de Latrão IV, que o principal cuidado do sacerdote deve ser com a espiritualidade de seu rebanho, pois “os sacerdotes são para vigiar”, sendo que para isso eles devem conhecerdiligentemente o aspecto do rebanho, isto é do seu súdito, se tem em sua fronte o tau da paixão do senhor, recebido no batismo, ou então raspou e escreveu o sinal da besta”. A luta da Igreja contra os maus hábitos dos religiosos tem neste discurso de Antônio um eco estrondoso, pois para o maior controle dos fiéis estes religiosos deveriam, além de conhecê-los e policiar a vida deles, ser um exemplo de fidelidade a Igreja e de testemunho de fé.
Podemos observar aqui a preocupação pastoral de Antônio ele não está querendo um simples controle dos fiéis pela instituição, ele busca na verdade a salvação as alunas através do esforço, que para ele é uma obrigação dos religiosos.
Outro grande ponto para a demarcação do “sacerdote ideal” passa pela questão do matrimônio dos sacerdotes e da situação dos filhos dos religiosos. Esta preocupação está contida no seguinte trecho do sermão do 5º Domingo de Pentecostes:
A subsistência do sacerdote, com efeito, hoje é a mistura de duas coisas, a palha do negócio terreno e o trigo da oferta eclesiástica. Comem tal mistura os jumentinhos, isto é, os filhos dos sacerdotes. Estes, com mulher e filhos, pretendem libertar o povo de Deus do cativeiro do diabo; mas o senhor irá ao seu encontro e o matará, se não se separarem da mulher e dos filhos.[5]
Esta visão de Antônio tem como principal motivo o uso, do dinheiro do dízimo e doações dadas a Igreja, por parte dos religiosos para dar subsistência as suas esposas e filhos, uma vez que:
...com as oblações dos fiéis, por eles esfolados , engordam seus jumentos, os filhinhos da focária[6] e os próprios filhos. Houve preceito na Lei de o bastardo, isto é, nascido de meretriz, não entrar no templo do Senhor. E eis que filhos de meretrizes não só entram, como também comem os bens da casa do Senhor.[7]
Aqui, mais uma vez, encontramos um Frei Antônio preocupado em pregar, isto é, propagar as idéias de Latrão, desta vez seguindo o Decreto de número 14. Porém, neste cânone, abre-se uma exceção para os religiosos em que o país de origem tenha como costume o casamento dos sacerdotes. Estes, contudo, devem manter-se fiéis a este matrimônio. Podemos observar então que, para o Frade, a continência e a castidade, assim como para o Concílio, são importantíssimas para assumir suas tarefas religiosas, pois:
Moisés, como diz no livro do Êxodo, quando se dirigia com a mulher e os filhos para o Egito, a fim de libertar o povo de Israel, um Anjo quis matá-lo; mas quando deixou a mulher e os filhos, o Anjo abandonou-os...Estes (os prelados), com  mulher e filhos, pretendem libertar o povo de Deus do cativeiro do diabo; mas o Senhor irá ao seu encontro e os matará, se não se separarem da mulher e dos filhos.
Constatamos, desta forma, que além de ser contrário ao matrimônio dos sacerdotes por achar que uma família atrapalhava o bom trabalho missionário, o frade atribui aos religiosos que tem filhos de casamentos legítimos ou não a culpa, em certo grau, pela preocupação com a maior arrecadação de bens, uma vez que, precisa cuidar de sua família. Denuncia também os maus hábitos nos mosteiros e conventos e cita que empregadas mantém relações sexuais com os religiosos gerando filhos que são chamados por ele de “jumentinhos”.


[1] CARVALHO, Fabricia Angélica Teixeira de. Santidade e corpo feminino no século XIII. In: Ciclo de Tradição Monástica e Franciscanismo. Rio de Janeiro: PEM/ITF, 2003.
[2] Sermão do 5º Domingo de Pentecostes.
[3] Sermão do 9º Domingo de Pentecostes.
[4] Sermão do12º Domingo de Pentecostes
[5] Sermão do 5º Domingo de Pentecostes
[6] A focária era a mulher que tratava do fogo, na cozinha, uma espécie de cozinheira. Pela sua má fama tornou-se sinônimo de concubina.
[7] Sermão do 5º Domingo de Pentecostes.

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