Neste
capítulo, apresentaremos uma análise sobre a construção do religioso ideal no século
XIII, presente no discurso de Antônio de Pádua/Lisboa e que para nós foi fruto
de uma releitura que o frade realizou ao tomar contato com as decisões do IV
Concílio de Latrão, realizado em 1215. Este que foi, até então, o mais
importante Concílio da Igreja Romana, tendo como principal marca a busca de um
maior controle moral, social e doutrinário por parte da instituição em relação
a seus membros. Na procura de uma maior efetivação destas decisões, a Igreja
instituiu a obrigatoriedade de certos sacramentos e buscou disciplinar a vida
dos religiosos de modo geral. Implementações estas que nos fizeram selecionar
para análise os Decretos do IV Concílio de Latrão, documentos publicados pela
Professora Raimunda Foreville[1]
e a obra Sermões, que foi escrita
entre 1223 e 1227, em sua versão portuguesa[2]
Obras Completas de Santo Antônio de
Lisboa, edição de Antônio Maria Locatelli.[3]
Como
apontamos no capítulo anterior esta obra possui objetivos religiosos e morais,
constituindo-se numa tentativa de dispor os irmãos franciscanos de um
instrumento de trabalho apostólico para auxilio na função de pregação, pois para o próprio
frade, “O pregador, portanto, deve
tirar dos úberes o leite da narrativa, para dele poder tirara manteiga suavíssima
da moralidade.” [4]
Começamos
aqui a observar o quanto era importante para o frade a manutenção de um certo
grau de “moralidade” para que o projeto missionário da Igreja Medieval desse resultados.
Podemos constatar também que ele atribui, a partir deste trecho descrito acima,
que a pregação tem papel fundamental nesta tarefa. Para Antônio, não só as
palavras vão convencer os fiéis, além delas os pregadores precisam colocar em
prática os preceitos por eles ensinados.
Já neste detalhe pode-se observar a obediência do
autor às diretrizes da Igreja, pois segundo o cânone 10 do Concílio de Latrão
IV, a Igreja preocupava-se com o apresto dos pregadores que deveriam ser “...
pessoas capacitadas, ricas em obras e palavras".[5]
Com o
mau exemplo de sua vida, põe fora os súditos antes de poderem voar; isto é,
antes de poderem desprezar o mundo e amar os bens celestes, expulsa-os do ninho
da fé e do bom propósito. Aí! Quantos pelo mau exemplo dos prelados se converteram
aos hereges, abandonando o ninho da fé.[6]
Ainda em
Portugal, Antônio defrontou-se com várias práticas que a Igreja passou a
condenar de forma mais enérgica, a partir do Concílio citado à cima. Nossa
análise da obra antoniana nos permite concluir que o frade conhecia muito bem
as práticas simoníacas e nicolaístas dos religiosos e as combateu através de
suas linhas.
Antônio,
talvez por ter sido um monge agostiniano, ou por estar zeloso das ordens
romanas, preocupou-se principalmente com a formação intelectual e moral destes
homens e por isso, no sermão do 4º Domingo de Pentecostes, ele diz, ao analisar
a passagem bíblica “Pode porventura um cego guiar outro cego?” (LC. 6, 40), que
“O cego é o prelado ou o sacerdote perverso, privado da luz da vida e da
ciência”, pois na visão do frade, os religiosos eram mais vulneráveis a
luxúria, avareza e ao zelo excessivo com os bens temporais a partir do momento
que estivessem “sem os olhos da vida e da ciência...já que carecem do guia da
razão”. Temos então, a partir desta constatação, o primeiro item para a recriação
de um modelo sacerdotal na obra antoniana. Os sacerdotes devem estar preparados
intelectualmente para a transmissão correta da Palavra de Deus, preocupação
esta que está diretamente ligada a sua experiência de combatente das heresias,
tarefa que exigiu do frei um grande conhecimento teológico.
Devemos
lembrar aqui que como adepto da “máxima perusina”, que acreditava nas Sagradas
Escrituras como a verdadeira ciência, Antônio cobra dos sacerdotes e futuros pregadores
uma maior preocupação com o estudo da Bíblia que, para os seguidores deste pensamento,
é o caminho para a conversão.
O
Concilio, em seu cânone de número 11, orienta os bispos a preocuparem-se com o
preparo dos sacerdotes, contratando mestres em teologia para ensiná-los na
leitura da Sagrada Escritura e orientá-los sobre o ministério pastoral.
Milagre da bilocação de São Francisco.
Francisco aparece em um Capítulo Provincial
no momento em que Antônio pregava.
No cânone 27, por exemplo, o cuidado com o grau de instrução dos novos religiosos é tão grande, que existe a orientação para não se ordenar pessoas ignorantes e rústicas para o governo pastoral, sob a ameaça de duras penas aos bispos que assim procederem. Apreensão igual tem o cânone 10 do Concílio em questão, pois este ordena aos bispos a procurarem, diante do impedimento dos mesmos praticarem o ofício da pregação, “pessoas capacitadas, ricas em obras e palavras”.
Faz-se
mister a observação a partir daqui da releitura feita pelo teólogo aos transformar
os cânones, que são uma linguagem institucional, em uma linguagem espiritual e
recheada de metáforas para que esta estivesse mais próxima a linguagem do povo
e dos sacerdotes que não possuíam, muitas vezes, o preparo intelectual desejado
por Antônio e pela Igreja.
Com o
crescimento dos movimentos de contestação, inclusive no seio da própria Igreja,
esta preocupação vem nos esclarecer que a Instituição procurava adequar-se aos
novos tempos, buscando através dos estudos uma maior preparação dos sacerdotes
para que estes pudessem através de sua pregação e visão teológica, convencer os
fiéis de maneira mais segura e embasada.
Antônio por
sua vez, ao preparar seu manual para os pregadores, queria implementar um ritmo
de estudos nos menores, que os fizessem refletir sobre a necessidade de serem
exemplos para os religiosos que estavam sendo criticados pelos movimentos
heréticos. Como podemos observar no decorrer deste trabalho o frade vai
trabalhar no combate aos movimentos contestatórios da doutrina católica e por
isso, busca através do ensino e preparação dos irmãos torná-los completos para
a transmissão Palavra de Deus. Já que os Franciscanos já possuíam a preocupação
de serem um exemplo vivo da busca da verdadeira, fé cristã, iriam a partir da
preparação intelectual, completar o conjunto perfeito para o convencimento das
populações assoladas pelas heresias.
[1]
FOREVILLE, Raimunda. Lateranense IV.Vitória: Editorial Eset, 19.
[2]
Consulta realizada também nos textos em latim in: MACEDO, Jorge Borges de. Os Sermões de Santo Antônio. Porto:
Lello & Irmão, 1983.
[3]
MACEDO, Jorge Borges de. Op. cit.
[4]
Sermão do 9° Domingo de Pentecostes.
[5]
SILVA, Andréia Cristina Lopes Frazão da. Op. cit.
[6]
Sermão do 9° Domingo de Pentecostes.
De fato, a preocupação do IV Concílio de Latrão levou a Igreja a uma melhor preparação dos sacerdotes para suas tarefas pastorais, o que mais chama a atenção é justamente esse estudo comparativo de fontes, já que os frades menores se preocuparam em combater as heresias com a exposição do evangelho, em lugar de colocar o braço secular como instrumento principal de erradicação dos movimentos heterodoxos.
ResponderExcluirSem dúvida eles, assim como os Dominicanos, inicialmente colocaram-se em campo como o "novo da Igreja". Legitimados por sua fama de vivenciadores radicais do Evangelho. Antônio como franciscano, mas ainda carregando em seu interior sua veia agostiniana, tenta organizar o discurso dos frades que antes era só feito através da "exempla". Para isso, busca os conhecimentos clássicos, a Bíblia e as normativas da Santa Sé. Por isso a comparação! Paz e bem!
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