quinta-feira, 26 de setembro de 2013
Quem foi Antônio de Lisboa/Pádua?
Antônio nasceu em Lisboa entre1190 e 1195. Sua data de
nascimento é imprecisa, uma vez que os seus biógrafos não possuem consenso,
quanto ao ano de nascimento do frade. Alguns seguem a Frei Marcos de Lisboa,[1] que escreveu as Crônicas da Ordem dos frades menores, e afirma que o ano de seu nascimento foi 1195, hipótese esta
baseada na informação do Livro dos
Milagres (Liber miraculorum),[2] surgido apenas entre 1367 e 1374, no
qual é registrada a morte do frade como ocorrida em 13 de junho de 1231, com 36
anos de idade. Biógrafos mais contemporâneos, como Virgílio Gamboso, afirmam, a
partir de exames médicos-antropológicos dos restos mortais do religioso,
realizados em 1981, que o mesmo morreu com aproximadamente 40 anos de idade, o
que traz uma nova data de nascimento o ano de 1190.[3]
Nos tempos de
Fernando não havia uma preocupação a respeito dos sobrenomes, mas muitas de
suas hagiografias afirmam que ele descendia de Geraldo de Bulhões, chefe da
primeira cruzada do século XI, o que, na verdade, segundo Lothar Hardick[4], vem de uma preocupação corrente nas
hagiografias medievais de ligar o nome do santo a famílias nobres. Somente na Legenda Beniguitas do século XVI aparece
o nome de seu pai como Martim, o que Ildefonso Silveira[5] aponta como fator primordial para
chamarmos o Frade Fernando de Martim ou Martins e não como Fernando de Bulhões,
opondo-se a posição de Roberto Ruiz[6] e Lothar Hardick[7], que afirmam que Fernando teve como
nome de batismo o segundo, uma vez que seu pai se chamava Martinho Bulhões e
sua mãe Maria Taveira.
O frade iniciou
sua preparação intelectual na escola criada junto a catedral da Sé de Lisboa,
onde ingressou entre os anos de 1202 e 1203. Tal estabelecimento de ensino foi
fundado após a organização da Igreja lisboeta pelo seu primeiro bispo, o inglês
Gilberto de Hastings. Ali permaneceu por mais ou menos seis anos. Segundo
Francisco da Gama Caeiro, pouco se sabe sobre tal instituição de ensino no
período que Fernando Martins a freqüentou. Desta forma, seguindo ainda o pensamento
de Caeiro, iremos procurar uma aproximação da sua história a partir de
comparações que ele faz com outras escolas da época e com documentos conciliares.[8]
As escolas
episcopais nasceram da necessidade da valorização espiritual do clero e da preocupação
da Igreja com o preparo intelectual destes a fim de atenderem as novas
exigências do mundo cristão, principalmente a partir da segunda metade do
século XII. Neste momento entendia-se que a Igreja não podia descuidar-se da
cultura dos religiosos, pois o magistério eclesiástico dependia desta
preparação. Caeiro constata em sua obra que esta necessidade era tão grande que
o Concílio Lateranense I resolveu tornar obrigatória a existência de um
mestre-escola, para ensinar gratuitamente os clérigos e alunos pobres, nas
igrejas-catedrais.[9]
Segundo a Legenda
Prima ou Assídua, Fernando Martins foi instruído
nas Letras Sagradas pelos sacerdotes que lecionavam na Sé de Lisboa, mas nada nos esclarece sobre as
disciplinas estudadas em tal escola.[10]Para Caeiro as diretrizes pedagógicas
deste modelo de estabelecimento docente, principalmente na primeira metade do
século XIII, seguiam algumas instruções de obras lógicas como Didascaliou, de Hugo de São Vitor, Metalogicom, de João de Salisbory, e o Eptateuco, de Thierry de Chartres, que
facultaram regras para o ensino em tais escolas, oferecendo um quatro teórico,
comumente aceito, que era fundamentado no Trivium
e Quadrivium.[11]
Nesta escola,
portanto, certamente Fernando Martins aprendeu a ler e a escrever, recebendo
ali uma instrução religiosa bastante completa. Aprendeu a língua latina,
através não somente do Saltério, mas, também, de alguns clássicos latinos e dos
Padres da Igreja[12], ao menos em partes pequenas ou
coletâneas, que estavam ao alcance dos mestres.
Entre as
disciplinas laicas, a Gramática era a primeira e fundamenta, constituindo o
inicio do trivium, que certamente era
lecionado na escola da Sé lisboeta. A Lectio,
ensino oral baseado na leitura de um texto, era um elemento pedagógico
fundamental, justificando o apreço dado à memória no período medieval, ainda
mais quando, dentro do ensino da Gramática, os manuscritos eram difíceis e de
aquisição dificultosa. A faculdade da memória era tão valorizada em tal período
que Fernando Martins, dono de um grande poder de memorização, foi louvado até
pelo papa Gregório IX, que o chamou de Arca
do Testamento.[13]
Além
das disciplinas já citadas até aqui, a escola da Sé de Lisboa, segundo
suposição de Caeiro, ministrava a Dialética (Lógica), a Retórica, os rudimentos
de Música e de Contas (Cômputo). Esta suposição vem da exigência destas
disciplinas para a execução das muitas tarefas eclesiásticas.
Segundo a Legenda Prima, Fernando Martins saiu da
escola da Sé instruído nas Escrituras Sagradas. Caeiro, porém, nos informa que
é complicado afirmar qual foi a influência do ensinamento de tal instituição no
edifício cultural apresentado por Fernando Martins como pregador e intelectual,
porém alguns destes traços certamente perduraram em sua trajetória.[14]
Após este primeiro
período de estudos, era comum que os alunos fossem freqüentar as aulas de Artes
nas Universidades. Porém, ainda não havia tais instituições em solos
portugueses. Os mosteiros eram, então, centros atrativos aos jovens que
buscavam a cultura e um melhor aperfeiçoamento espiritual.
Fernando Martins
ingressou no Mosteiro de São Vicente de Fora, localizado nas cercanias de
Lisboa, que era o mais antigo de Portugal, motivo pelo qual recebia grande
proteção dos reis e isenções papais. Provavelmente seu ingresso data entre 1210
e 1211, quando deve ter passado por uma seleção bem rigorosa, já que Francisco
da Gama Caeiro afirma que os cônegos regrantes de Santo Agostinho, responsáveis
pela instituição, eram bem cuidadosos com os assuntos espirituais.[15]
Em São Vicente o
frade português professou na Ordem dos Cônegos de Regrantes de Santo Agostinho,
após um ano de estudos. Sua preparação para a admissão definitiva entre os Cônegos
Regrantes passou pelo aprendizado da Regra de Santo Agostinho, realizado com o
intuito de aprofundar os ensinamentos espirituais e práticos para a vida no
mosteiro.
Esta Regra tem
como primeira e máxima exigência a cultura de uma perfeita comunhão espiritual
de riquezas, à maneira das primitivas comunidades cristãs de Jerusalém, segundo
o exemplo dos apóstolos. Dentre as virtudes obrigatórias para os cônegos
estavam a obediência, a humildade[16] e a caridade. A leitura possuía uma
grande importância para a Regra, sendo vista como um momento fundamental na
rotina do mosteiro. Esta Regra possuía uma versão acrescida de comentários de Hugo
de São Vitor, nos quais o crítico afirmava que a leitura era constituída pela Lectio Divina e as observações dos
Santos Padres, além da própria Regra.
A Regra era lida
semanalmente aos cônegos, além de constituir objeto especial de estudo para os
noviços dirigidos por um mestre, o chamado mestre da escola dos noviços. Em sua
primeira fase de estudos, ocorrida em São Vicente de Fora, Fernando Martins
começou a dar importância a Regra e a doutrina do Bispo de Hipona.
A espiritualidade
antoniana foi fortemente marcada pela teologia agostiniana dos cônegos
regrantes, e firmou-se não só a partir da Regra, mas também, indiretamente,
pelas constituições do mosteiro, que nela se inspiravam.
Caeiro afirma em
sua obra que foram encontrados dois importantes inventários que retratam a vida
intelectual do mosteiro em questão, um de meados do século XIII, da canônica
lisboense e outro uma relação de manuscritos cedidos, talvez para serem
copiados, em 1207, 1216 e 1226, de algumas obras que chegaram a São Vicente de
Fora.[17] Ao aproximar os dois inventários,
Caeiro oferece uma visão complementar de grande valor, pois revela, por um
lado, o interesse em São Vicente de Fora pela teologia, pela patrística, pela
espiritualidade monástica, pelos escritos morais e litúrgicos, e, por outro
lado, curiosidade pelas obras científicas, nomeadamente as de medicina.
Não se sabe muito
sobre os mestres que orientaram Fernando Martins no conhecimento da Regra e nos
demais estudos que visavam a sua formação e aperfeiçoamento como cônego
regrante. Porém, Caeiro supõe que tal função foi exercida por D. Pedro Pires,
cônego de eminente posição científica e social, que foi mestre de teologia em
São Vicente e contribuiu, certamente, de maneira efetiva para a formação
cultural recebida no período em que o frade por lá passou.[18]
Segundo alguns
autores, tais como Lothar Hardick[19], Caeiro[20] e Roberto Ruiz[21], a convivência de Fernando em São
Vicente tornou-se difícil, uma vez que sua família e pessoas próximas realizavam-lhe
muitas visitas, o que interrompia constantemente a sua busca de paz interior
através do isolamento e da meditação. Desta forma, Fernando pediu a seus
superiores que o transferissem para Santa Cruz de Coimbra, para que pudesse
alcançar um maior grau de espiritualidade.
Reconhecidamente
considerado a casa mãe dos cônegos regrantes em Portugal, Santa Cruz era,
segundo Maria Helena da Cruz Coelho,[22] “o bastião
ideológico, cultural e espiritual do primeiro monarca português”, D. Afonso
Henriques, que a ela doou terras, Igrejas, concedeu direitos, privilégios e
jurisdições. Ali também foram enterrados D. Afonso e D. Sancho I, os primeiros
reis portugueses, o que faz desse cenóbio o panteão real.
Em Coimbra,
Fernando Martins pôde ter maior contato com a história e a presença de grandes
religiosos portugueses, porém, além dos ares de santidade, o mosteiro podia
proporcionar-lhe uma grande possibilidade de crescimento intelectual, uma vez
que muitos cônegos, que ali viveram e viviam, haviam cursado a Universidade de
Paris. Os mestres do mosteiro tinham a sua formação pautada, principalmente, em
dois tipos de textos, as chamadas Sumas,
as glosas à Bíblia e as Sentenças de
Pedro Lombardo. O estudo das Sagradas Escrituras era realizado a partir do
método agostiniano que tinha como base dois prismas: o da análise literal ou
histórica e a espiritual ou figurada.
Além desta
experiência com os mestres coimbrãos, Fernando foi influenciado também pela máxima perusina[23] de que a Bíblia seria o principio e o
fim de todos os estudos teológicos, o que nos Sermões antonianos é traduzido para a plenitude de toda a ciência,
a única que vale a pena e que faz sábios.
De mais a mais, o
mosteiro possuía uma biblioteca, com bom suporte em material para o estudo, e
também um scriptorium. Em sua obra,
Caeiro nos chama a atenção para o fato de que este contava com vários escribas,
que tinham como missão transcreverem aquelas obras que chegavam para Santa Cruz
através de permutas e empréstimos. Segundo este autor, podemos afirmar que Fernando
obteve contato, na biblioteca de Coimbra, com obras de Hugo e Ricardo de São
Vitor, Agostinho, Gregório, Jerônimo, Isidoro, Pedro Comestor, Flávio Josefo,
Aristóteles e Virgílio.[24] Sendo Assim podemos concluir que a
obra de Fernando foi fortemente marcado por este clima cultural de Santa Cruz,
uma vez que é toda ponteada por citações destes autores e tem como fonte vital
a Bíblia.
Segundo Roberto
Ruiz,[25] apesar do impedimento, por parte da
Santa Sé, da ordenação sacerdotal de menores de trinta anos, Fernando foi
ordenado sacerdote em Coimbra, onde também atuou como clérigo até a sua ida
para a Ordem dos Frades Menores.
Porém, apesar da
ordenação e do alto grau intelectual adquirido em Coimbra, Fernando, segundo
Caeiro[26] e Roberto Ruiz[27], decepcionou-se com o ambiente do
mosteiro, pois não pôde colocar em prática todos os ensinamentos armazenados
através de seus estudos, uma vez que, ele acreditava, tal estabelecimento
estava contaminado por idéias e práticas, tais como o nicolaismo e simonia, que
não se coadunavam a vida religiosa. Caeiro cita os teóricos Alexandre
Herculano, Carlos Giroud e Antônio Vasconcelos para confirmar que as riquezas
doadas ao mosteiro pelos monarcas portugueses desvirtuaram o modo de vida dos
agostinianos.[28]
Roberto Ruiz[29] relata, baseado no historiador Jorge
Ameal, que ao serem privilegiados por benesses reais e presenteados por muitos
burgueses ricos, os cônegos regrantes passaram a dar mais valor as “coisas
terrenas” que as “virtudes cristãs”.
Contemporaneamente
a esta desilusão de Fernando, chegaram a Portugal os primeiros franciscanos,
apadrinhados pela rainha D. Urraca, por volta de 1219. Segundo Caeiro, muitas
vezes estes frades maltrapilhos iam até Santa Cruz para conseguir esmolas,[30] que possivelmente causaram em Fernando
um certo espanto, uma vez que esta pobreza contrastava com a riqueza da casa
dos cônegos.
Fernando, após o
pequeno convívio com os primeiros mártires franciscanos, que antes de sua
viagem ao Marrocos, local onde ocorreu o martírio, foram a Portugal, ao
defrontar-se com seus restos mortais, que voltaram para serem enterrados na
Catedral de Santa Cruz, notou, que esta forma de viver a fé estava muito distante
da realidade encontrada em sua comunidade e ficou maravilhado com o novo modo
de vida oferecido pela Ordem dos Frades Menores e pela possibilidade de pregar
aos sarracenos e ser martirizado. A ida ao Marrocos é para Antônio a principal
motivação para a sua saída da ordem dos Cônegos Regrantes de Santo Agostinho e
sua entrada para os franciscanos, momento que adota o nome de Antônio.
Francisco da Gama Caeiro,[31] escreve que este foi influenciado por
três principais aspectos da vida dos frades menores. Primeiro, o estilo de
vida, que era totalmente voltado para a pobreza evangélica procurando imitar o
Cristo nu. Segundo, o modo de pregação, que tinha como principal característica
a ida ao encontro das almas, modo diferente do apostolado da ordem dos Cônegos
Agostinianos, que ocupavam paróquias determinadas. Por último, a pregação aos
muçulmanos que, indiretamente, poderia ocasionar o martírio.[32]
Esta
característica, a pregação aos infiéis, é tão forte no ideário franciscano que
foi citada na Regra Não-Bulada,[33] que ficou pronta, em 1221, e é um
misto de Regra e “diretório espiritual”, pois contém muitas orientações de
cunho espiritual e não jurídicos, e foi apresentada aos irmãos no Capítulo de
Pentecostes de 1221.
Antônio
embarcou para o Marrocos, e chegando lá, ficou doente, o que o impediu de
realizar o seu sonho de pregar aos Sarracenos. Após sua tentativa frustrada de
martírio, Antônio participou do Capítulo de 1221, no qual foi designado para
trabalhar no Eremitério de Monte Paolo em Forli. Este local realmente tornou-se
importante na vida franciscana de Antônio, pois aí ele passou a ser notado como
exímio pregador e conhecedor das Escrituras Sagradas. Antônio foi indicado, por
seu superior, a proferir uma pregação repentina em uma data festiva. Até então
ele tinha apenas ministrado os sacramentos, uma vez que era sacerdote, e
trabalhava como ajudante de cozinha. O seu discurso de improviso foi tão bem
construído que maravilhou a todos. A partir daí Antônio foi colocado na linha
de frente da batalha contra as heresias que assolavam a região da România, onde
iniciou, desta forma, sua missão de pregador. Falava com o povo, partilhava a
existência humilde e angustiante, alternando o trabalho da catequese com a obra
pacificadora; ensinava teologia a seus irmãos franciscanos, fazia confissões,
debatia em público com os hereges. Desta forma, sua fama chegou até os ouvidos
de Francisco que, neste momento, o indicou como mestre de teologia da ordem
através da seguinte carta:
A frei
Antônio, meu bispo, saúda frei Francisco e augura saúde. Apraz-me que ensine
teologia aos nossos frades, sob a condição, porém que por causa de tal estudo,
não se extinga neles o espírito da santa oração e devoção, como é prescrito na
Regra. Passa bem.
Com esta carta, escrita em 1224,[34] Antônio recebe de Francisco de Assis a
autorização para ensinar teologia na Ordem Franciscana, fato este importante,
pois até então o fundador era reticente a tal prática.
É muito importante, para a compreensão do papel que Antônio
passou a ocupar dentro da estrutura da ordem, a lembrança de que ele não
pertencia ao grupo mais próximo a Francisco. Mesmo assim, Antônio foi lembrado
no capítulo 48 da Vida I de Tomás de Celano, que foi o primeiro biógrafo de
Francisco, e redigiu esta obra em 1228, por ordem do Papa Gregório IX, como
aquele que “o Senhor abrira a
inteligência para compreender as escrituras, e que falava do Senhor a todo o
povo com palavras mais doces que o mel e o favo”.[35]
A partir da incumbência dada a ele por Francisco, Antônio
criou alguns centros de estudo para os franciscanos, como Bolonha, o primeiro
deles, nos quais as aulas eram marcadas pelo “...espírito de pobreza e humildade.” Em Bolonha, Antônio ensinou
teologia a clérigos e leigos partindo do texto bíblico, interpretando e falando
da fé para os ouvintes.
Este espírito que
Francisco cita na Carta a Antônio, condiciona o magistério exercido por ele,
tanto no conteúdo quanto na forma. Assim, sua forma de ensinar estará baseada
em sermões. Em seu ministério teológico, Antônio conjugou vários elementos que
vão dar seu toque particular: sua formação teológica de cunho agostiniano; sua
forma de ensinamento calcado no estudo, na meditação e na contemplação da
Sagrada Escritura, segundo a tradição dos Santos Padres; e a idéia de junção da
ciência com a unção contemplativa, segundo a orientação de Francisco de Assis.
Após sua saída de
Bolonha, Antônio passou por Provença, Languedoc, Limoges e Berry. Esta área
meridional da França passava por um momento de muitos conflitos, ocasionados
por lutas políticas e sociais entre católicos e albigenses, que tinham sua
doutrina já arraigada nesta região. O Papado, aliado ao poder temporal,
combatia a heresia. Porém, a luta se estendeu por vinte anos sem nenhum
resultado.
Diante deste fracasso do uso da força, o papa Honório III
exortou aos professores de teologia de Paris a dirigirem-se para trabalhar
junto aos albigenses. Antônio foi enviado com outros frades, como reforço
qualificado, para apoiar os residentes na região no trabalho de evangelização e
para cumprir os encargos atribuídos aos irmãos pela direção da Ordem cedendo a
pressão da Cúria papal.
Antônio passa então a ensinar e pregar teologia em
Montpellier, importante centro universitário e ponto forte da ortodoxia
católica, onde dominicanos e franciscanos recebiam adequada formação pastoral e
intelectual a fim de pregarem contra a heresia que se espalhava nos territórios
adjacentes.
Após a estada em Montpellier, Antônio fixou-se em Toulouse,
onde continuou seu trabalho docente. Porém, em 1226, ele mudou-se para Limoges
que, na história de Antônio, tem um papel importantíssimo, já que ali lhe foi
dado o encargo de Guardião dos Franciscanos da cidade e dos arredores.
Alguns hagiógrafos fixam a data de retorno de Antônio a
Itália durante o Capítulo Geral que aconteceu em Pentecostes de 1227, quando
foi indicado para a região de Pádua.
Com o entendimento do modo de pregação e do magistério de
Antônio, podemos reconhecê-lo como mestre franciscano, pois, com sua vida e
palavra, sua doutrina e escritos, sua espiritualidade e o caminho evangélico de
sua existência, ele reveste de ciência e oratória a pregação simples e popular
de Francisco. Como precursor da Escola Franciscana, ele tornou-se um elo de
ligação entre a velha tradição agostiniana e tal Escola. Antônio influencia,
através de sua doutrina, propagada tanto por suas obras, pregações e aulas, as
gerações de franciscanos seguintes, como fica comprovado nas obras de
Boaventura, Bernardino de Sena, Jaime da Marca e Scoto.
Antônio trouxe para o seio da Ordem Franciscana toda uma
bagagem intelectual baseada no conteúdo dogmático e moral dos escritos dos
Padres da Igreja. Conhecimento que tinha sua base central no pensamento de
Agostinho. O frade transporta para sua nova comunidade todos os ensinamento
que, talvez, ele acreditasse serem essenciais para a vivência religiosa plena.
Esta transformação
cultural trazida ao interior da Ordem pelo ministério teológico de Antônio, foi
importante para a libertação dos franciscanos do modelo místico implementado em
seu momento inicial no “tipo de civilização que estava se afirmando no mundo, a
Ordem ter-se-ia encontrado fora do jogo e talvez inútil”.[36]
Dentro deste ideal de formar novos pregadores para a ordem,
o frade começou a redigir sua maior obra, os Sermões Dominicais e Festivos. Os Dominicais foram escritos entre
1227 e 1230 e os Festivos redigidos entre o outono e o inverno europeu de
1230-1231. Estes não são exatamente
os que Antônio pregou, sendo, na verdade, um manual para pregadores da ordem e
que poderia ser consultado por leigos cultos e religiosos de outras
instituições. Seus propósitos, nesta obra, são essencialmente religiosos ou
morais, são a tentativa de por a disposição dos frades um elemento de trabalho
apostólico. Consistem, então, em um guia prático que, ao mesmo tempo, é uma
compilação teórica e doutrinária, contendo dicas de um mestre experiente no
ofício da pregação. Caeiro constata, ao analisar os Sermões, que Antônio possuiu uma intelectualidade marcante e uma cultura teológica sólida e que para ele a
verdadeira ciência era a Sagrada Escritura, donde extrai grande parte de sua
doutrina.
[1]
RUIZ, Roberto. Antônio um Santo que falava
português. Petrópolis: Vozes, 1995
[2]
MACEDO, Jorge Borges de. Os Sermões de
Santo Antônio. Porto: Lello & Irmão, 1983.
[3]
HARDICK, Lothar. Santo Antônio: Vida e
Doutrina. Petrópolis: Vozes,1991
[4] Idem.
[5].
Idem
[8]
CAEIRO, F. da Gama. Santo Antônio de
Lisboa. Introdução a Obra Antoniana, Lisboa: Casa da Moeda, 1968
[9]
Idem..
[10]
Idem.
[11]
Idem.
[12]
Idem.
[13]
Idem
[14]
Idem
[15]
Idem.
[16]
A humildade desempenhará, mais tarde, na concepção da mística especulativa
antoniana, um papel essencial.
[17]
CAEIRO, F. da Gama. Op cit..
[18]
Idem.
[19]
HARDICK, Lothar. Op cit
[20]
CAEIRO, F. da Gama. Op. cit.
[21]
RUIZ, Roberto. Op. cit..
[22]
COELHO, Maria H. da Cruz. Santo Antônio de Lisboa em Santa Cruz de Coimbra. In: AAVV. Congresso Internacional
Pensamento e Testemunho. Atas...
Braga: UCP/FFP, 1996. P. 179-205.
[23]
CAEIRO, F. da Gama. Op cit..
[24]
Idem.
[25]
RUIZ, Roberto. Op. cit..
[26]
CAEIRO, F. da Gama. Op cit..
[27]
RUIZ, Roberto. Op. cit..
[28]
Idem.
[29]
RUIZ, Roberto. Op cit
[30]
CAEIRO, F. da Gama. Op cit
[31]
Idem.
[32]
Idem.
[33]
SILVEIRA, I. REIS, O. (org.). São
Francisco de Assis. Escritos e Biografias de São Francisco de Assis. Crônicas e
outros testemunhos do Primeiro século franciscano. 8. ed. Petrópolis:
Vozes, 1997.
[34]
Idem.
[35]
Idem.
[36]
ZAVALLONI, Roberto. Pedagogia
Franciscana: Desenvolvimentos e Perspectivas. Petrópolis: Vozes, 1995.
sexta-feira, 20 de setembro de 2013
Contexto Religioso da Sociedade Medieval a Época de Antônio de Lisboa/Pádua
Sob muitos aspectos, a cristandade ocidental do século XIII
pode causar a impressão de perfeita continuidade em relação aos séculos
anteriores: a valorização primacial da religião, que colore e impregna a maior
parte do universo cultural; a dificuldade em delimitar os domínios do poder
civil e do religioso; a supremacia do papa na ordem religiosa e a do imperador
na ordem civil e a disputa entre ambos pela hegemonia; e o caráter
predominantemente agrícola da economia.
Entretanto, numa observação mais cuidadosa, percebe-se que
esses traços de continuidade subsistiram ao lado de processos de mutação
profundamente atuantes. Assim, se a Igreja se manteve no Ocidente e conseguiu
mesmo ganhar terreno sobre outros grupos religiosos em várias fronteiras, a
unidade católica achava-se seriamente ameaçada pelo aparecimento de novas
heresias.
A arte e a religiosidade popular conservavam formas de
expressão herdadas do passado. Apresentavam, porém, ao mesmo tempo, uma
inovação de sentido e de formas. Prevalecia ainda a organização basicamente
feudal da sociedade.[1] Esse mundo feudal já
apresentava, contudo, uma extensa e definitiva constelação de ilhas que lhe
escapavam e se lhe opunham: as cidades de organização comunal autônoma (cidades
francas ou livres). Em seus respectivos campos de jurisdição, o papa e o
imperador mantinham a primazia na cristandade. Mas, em certas regiões, diversos
grupos leigos contestavam a autoridade da hierarquia cristã e a hegemonia
política do imperador, que, na segunda metade deste século, tornou-se um pouco
mais que um simples direito de precedência honorífica entre os príncipes
cristãos.
Finalmente, embora no conjunto da Europa predominasse a
economia agrícola, muitas áreas geográficas já apresentavam acentuado
desenvolvimento comercial e urbano. O Ocidente cristão do séc. XIII
caracterizava-se pelo encontro de dois mundos: nele subsistiam e se
entrechocavam o antigo, uma sociedade feudal, senhorial e teocrática, e as
formas que já elaboravam uma cultura urbana e laicizada.
As diversas manifestações dessa cultura nascente se
entrelaçavam e se correlacionavam. Dentre elas, destacamos o desenvolvimento
manufatureiro, comercial e urbano, processo fundamental do período que se
convencionou chamar "Baixa Idade Média". Foram nestes centros urbanos
que floresceram novas formas de expressão artística e religiosa, circularam
idéias inovadoras, vieram à luz diferentes modalidades de organização social e
de poder político.
Na maior parte da Europa, o governo municipal foi exercido
desde o início por um conselho administrativo, composto de representantes das
diversas corporações. Por todo o continente europeu, a nobreza local se
integrava nas cidades. Se de início foi favorável a seu estabelecimento, e
mesmo lhe concedeu privilégios, passou a lutar contra suas pretensões de
autonomia. Mas, em geral, as cidades saíram vitoriosas. Estavam sob a proteção
do poder central: dos príncipes do Sacro Império e dos reis nos demais
territórios. Estes interessavam-se em favorecê-las para limitar o poder da
nobreza local. Dessa forma, os resultados do desenvolvimento urbano foram
paradoxais: a Península Itálica esfacelou-se em pequenas unidades soberanas; no
que hoje é a Alemanha, os príncipes se fortaleceram em detrimento da pequena
nobreza e do imperador; nos demais países criaram-se monarquias centralizadas.
O senhorio, a cidade e o rei tornaram-se, desde então, os três principais focos
do poder político no continente.
A religiosidade do século XIII, impregnada de conceitos dos
séculos anteriores, ganhou, nesse meio urbano em fase de maturação, uma nova
face. Ao lado das expressões religiosas tradicionais, surgiram novas fórmulas
de devoção e um espírito religioso renovador, tais como as associações e as
confrarias, frutos do espírito corporativo que presidiu à organização social
das cidades e que não poderia deixar de exercer influência no plano religioso.
A vida da Igreja primitiva não se expressava no Novo Testamento como um ideal
comunitário? E a insistência no tema da caridade fraterna não é uma constante
no Evangelho, sobretudo no de João? Assim, os cristãos da época retornaram a
esses textos com atenção e assiduidade. No plano da vida religiosa, esses
livros bíblicos serviram de orientação para as várias novas instituições
religiosas, mais conhecidas como ordens mendicantes, como os franciscanos e
dominicanos, que nasceram neste século.
Dentro do campo do pensamento intelectual, temos que dar
maior atenção ao renascimento da dialética, a partir dos elementos da lógica de
Aristóteles, plenamente triunfante nas universidades recém-organizadas, abertos
aos estudos dos ocidentais através dos árabes. Estes estudos tornaram-se uma
grande preocupação para a Igreja, face à ameaça do racionalismo, tido como
inimigo, tanto da fé como do poder. Neste momento, a autoridade clerical e
todos os conceitos que eram “absolutos e impermeáveis” a qualquer discussão
passaram a ser contestados e aceitados, somente se adotados pela razão.[2]
Entre os leigos nasceram muitas associações religiosas e
algumas enveredam pelo caminho da heresia, que, segundo Duby, era uma “...
contestação radical da ordem estabelecida”,[3] e da qual trataremos mais
adiante. A maioria delas, porém, dinamizou a vida cristã em muitos dos seus
aspectos, já que exigiram, por parte da Igreja Romana, uma reação: obras de
caridade, auxílio mútuo, espiritualidade, colaboração com a hierarquia nas
tarefas pastorais e missionárias da Igreja, aprofundamento da instrução
religiosa, ascese e penitência. As ordens religiosas mendicantes ofereciam ao
leigo, através da criação das ordens terceiras, a possibilidade de uma vivência
cristã de intensidade espiritual e moral, convidando-o a cooperar no
apostolado, sem afastá-lo de suas tarefas temporais. Sobretudo na última década
do século, surgiram as associações de finalidade penitencial e devocional. Ou
seja, para fazer face às heresias que atraíam aos leigos, a Igreja procurou
estimular uma espiritualidade compatível com as condições de vida do laicato
urbano.
As confrarias e os quadros corporativos de mais de uma
região européia revelavam inspiração evangélica. Integravam, assim, a grande
corrente de renovação que movimentou a cristandade romana do século XIII e que
se caracterizou pela volta ao Evangelho. Esse evangelismo manifestava-se em
todas as expressões da vida religiosa: na arte, no culto, na espiritualidade,
no pensamento teológico e mesmo na apresentação exterior das igrejas. No culto
e na espiritualidade, esse evangelismo se traduziu pela tendência
acentuadamente cristológica: procurava-se no Cristo o modelo de vida. E certos
valores do Evangelho, como a pobreza, o despojamento, a humildade, o amor
fraterno e o zelo missionário, reencontraram seu lugar de destaque na vida cristã.
Estes novos
valores, presentes nas propostas de vida religiosa das nascentes ordens
mendicantes, acabavam por distinguir radicalmente o irmão, ou frei, do monge
tradicional: a pobreza destes novos grupos religiosos não era somente
individual, mas também coletiva; estes deram grande importância à atividade
pastoral e a renúncia da vida estável; o governo das ordens era bem
centralizado; estavam muito preocupados com a formação metódico-teológica dos
irmãos destinados ao apostolado, sendo seus sacerdotes melhor preparados que os
de todo clero de então.
Contudo, a nova religiosidade não representou somente maior
dinamismo para a Igreja. Em alguns casos, os movimentos acabaram se
opondo à hierarquia da Igreja. Vários grupos, a partir do século XII, com a
perda de rigor e acomodação da chamada Reforma Gregoriana, segundo R. I. Moore
e Brenda Bolton, propuseram uma reforma que extirpasse a “corrupção do governo
da Igreja e a falta de zelo de seus sacerdotes, para que pudesse responder as
necessidades espirituais dos que buscavam a salvação mediante a iluminação da
alma, o rechaço da riqueza, o poder mundano e a imitação dos apóstolos”.[4]
Estes grupos possuíam um difícil relacionamento com a Igreja e sua mensagem de
protesto foi sustentada por pregadores, considerados vagabundos e de aspecto
selvagem, já que eram andarilhos e apresentavam-se como pobres, mas que
possuíam uma linguagem direta e feroz, pregando contra a avareza e libertinagem
dos padres e atraindo um grande número de seguidores, assim como os Valdenses,
os Humilhados e os Cátaros.[5]
Ou
seja, estes movimentos apresentavam uma forma de interpretação e uma atuação
particular da religiosidade do período. Alguns desses grupos foram considerados
heréticos, pois se contrapunham à Igreja, criando em muitos casos, uma
organização religiosa própria. Como aponta Moore, existiu em muitas épocas e
lugares, inclusive no seio da Igreja, um grande debate que revela divergências
entre os próprios religiosos, porém estas discussões só se transformaram em
heresias a partir de uma afirmação da autoridade eclesiástica confirmando que
tal linha de pensamento ou pessoa possuía um cunho heterodoxo.[6]
Estes grupos que
foram acusados de heresia eram movimentos substancialmente laicos. Suas
doutrinas eram em geral simples, muitas vezes sem nenhuma reflexão sistemática,
não podendo ser comparadas com as do movimento protestante posterior, por
exemplo. Representaram, na verdade, o despertar dos laicos medievais, que foram
convidados por Gregório VII e seus aliados reformistas, no século XI, a
rebelar-se contra os inimigos do papado reformado.
Neste contexto de
transformações em todos os campos foi que entre 1190 e 1195 nasceu Frei Antônio
de Pádua/Lisboa. A sua data de nascimento está colocada desta forma uma vez que
os biógrafos não possuem uma definição precisa do ano de nascimento do frade. Alguns
seguem a Frei Marcos de Lisboa,[7]
que escreveu as Crônicas da Ordem dos
frades menores, e afirma que o
ano de seu nascimento foi 1195, hipótese esta baseada na informação do Livro dos Milagres (Liber miraculorum),[8]
surgido apenas entre 1367 e 1374, no qual é registrada a morte do frade como
ocorrida em 13 de junho de 1231, com 36 anos de idade. Biógrafos mais
contemporâneos, como Virgílio Gamboso, afirmam, baseados nos resultados de exames
médicos-antropológicos dos restos mortais do religioso, realizados em 1981, que
o mesmo morreu com aproximadamente 40 anos de idade, o que trouxe como uma nova
data de nascimento o ano de 1190.[9]
Este português
obteve sua formação intelectual toda pautada no itinerário evangélico
agostiniano, devido a sua passagem pelos mosteiros agostinianos de São Vicente
de Fora e de Santa Cruz de Coimbra, este o mais importante de Portugal.
Contudo, em 1220, Antônio trocou os agostinianos pelos franciscanos,
tornando-se um frade menor. Sua mudança de Ordem foi resultado do impacto que
obteve ao tomar contato com os franciscanos portugueses e com o encontro que
ocorreu antes e depois do martírio dos proto-mártires franciscanos, que aconteceu
em 16 de janeiro de 1220. Estes estiveram em visita ao mosteiro de Santa Cruz
de Coimbra e lá também foram enterrados, após retorno de seus restos mortais.
Após suas
primeiras experiências como franciscano, o frei começou o seu apostolado
pregando do ano de 1222 até 1224, no norte da atual Itália. Após este primeiro
período de pregação o frade foi enviado para a Gália, onde conseguiu grande
êxito em sua missão passando a ser conhecido como o “martelo dos hereges”, pelo
seu papel no combate da heresia cátara.
Os cátaros ou albigenses,
conhecidos assim por ter sido a cidade de Albi o centro de irradiação desta
heresia,[10]
tinham como linha de pensamento principal a idéia de que tudo o que é material
e terreno é corrompido para o mal, porque tudo isso havia sido criado por um
mau antideus. Para o catarismo, ao contrário dos valdenses, o ideal de pobreza
não é voluntário; na verdade, acreditavam que todo o material era diabólico,
sem distinção. Como exemplo desta rejeição ao material temos a negação dos
sacramentos, porque estes estavam unidos a coisas materiais como pão, vinho,
óleo, etc.
Segundo Nachman Falbel, as idéias
cátaras não influenciaram os extratos cultos da época. Tão pouco encontramos
nesta religião nenhum teólogo ou pensador. A grande propagação se deveu a
fatores sociais e eclesiásticos e foi sustentada por uma estrutura que de
maneira clara se contrapunha à da Igreja católica. [11]
Um fator importante foi a
participação das mulheres na nova religião, uma vez que nela o elemento
feminino possuía uma maior possibilidade de ação, já que não haviam diferenças
entre homens e mulheres, no campo espiritual. Porém vale salientar que, segundo
Andréia Frazão, “o catarismo não era uma doutrina feminista, pois as barreiras
do patriarcado não foram suprimidas”.[12]
Contudo, podemos inferir que muitas mulheres sentiam-se atraídas pelo catarismo
pela possibilidade de possuir um papel similar aos dos homens na hierarquia
religiosa.
Cátaros: Extermínio dos puros
Além das mulheres, entre os
influenciados pelas idéias do catarismo estavam os burgueses da Península
Itálica comunal e do norte da Gália, portanto o setor médio, mercantil, artesão
e financeiro. Sendo assim, não só os grupos mais pobres aderiram aos cátaros.
Também na Gália, tal heresia influenciou toda a pequena nobreza, que se apoiou
sobre a nova religião na busca de sua autonomia, uma vez que o caráter
transformador do movimento trazia em seu bojo uma crítica contra a possessão,
por parte da Igreja, de bens temporais. [13]
A partir de 1140, houve um surto
de crescimento do catarismo na Gália e em 1150 a heresia já possuía uma
estrutura eclesiástica em Albi, com suas próprias igrejas, ritos e bispos. Nos
anos da década de 1160 espalhou-se rapidamente no Languedoc, que chegou a ser
seu mais firme baluarte, e desde ali até a Península Itálica.
Face a este
crescimento, a Igreja patrocinou a chamada “Cruzada Espiritual”[14]
contra a heresia, na qual se destacaram pregadores como Bernardo de Clairvaux e
Domingos de Gusmão. Contudo, com o fracasso de tal empreitada, iniciou-se, em
1208, uma cruzada militar contra tal grupo herético. Entre 1220 e 1226, houve
um momento de trégua da cruzada de cunho militar contra os albigenses. Antônio,
assim como outros franciscanos do período, aproveitou o momento para
implementar uma tentativa de conversão dos hereges através da palavra, usando
esta ferramenta como alternativa de persuasão, ante a violência que estava sendo
empregada até o momento.
Antônio, por possuir uma
fundamentada formação intelectual, destacou-se no ofício da pregação, o que não
acontecia com a maioria dos frades, que se utilizavam muito mais dos seus
exemplos pessoais, aparência externa e de um conhecimento rudimentar da Bíblia,
do que de uma exposição coerente e baseada em conhecimentos intelectuais.
Assim, em face desta necessidade de uma maior preparação dos frades para o
auxílio no combate às heresias e na evangelização, Francisco de Assis escreveu
uma carta no fim de 1223, ou início de 1224, atribuindo a Antônio a missão de
se tornar o primeiro mestre de teologia da Ordem dos Frades Menores,
responsável pela fundação da chamada Escola
Franciscana. Como uma das respostas dada a esta chamada do fundador da
ordem, Antônio redigiu sua obra Sermões,
que é uma compilação de vários sermões e que, segundo o próprio autor, tinha
como objetivo maior atender as demandas de seus próprios alunos, que o pediam
para compor uma espécie de manual para preparação de pregadores.
Ao
analisarmos esta obra, podemos observar uma forte preocupação de Antônio com a
postura e o modo de vida dos sacerdotes, pregadores e prelados. Para este frei,
a forma como estes homens procediam refletia no modo como os fiéis se comportavam
e viviam a fé, além de darem motivo para as críticas dos grupos heréticos
contra a fé católica.
O trabalho
educacional empreendido por Antônio estava em plena sintonia com os interesses
da Igreja Romana que, neste período, organizava-se de forma jurídico-canônica[15]. Neste
sentido, foi realizado o mais importante Concílio da Igreja Romana[16] até então:
o IV de Latrão, reunido em 1215 e convocado pela Bula Papal Vienan Domini Sabaoth de 10 de abril de
1213. Nele reuniram-se tanto lideranças eclesiásticas como laicas da Sicília,
Constantinopla, Gália, Inglaterra, Hungria, Aragão, Jerusalém, e Chipre[17], sendo
realizado sob o governo de Inocêncio III.
Segundo
Andréia Frazão da Silva os cânones de Latrão são uma legislação que resulta do
trabalho de um conjunto de juristas, que detinham um grau elevado de
conhecimento do direito canônico e romano, que estão sendo influenciados pela
política eclesiástica do papado.
O concílio
contou com a participação de cerca de1200 pessoas, estando ali representadas
mais de 80 províncias eclesiásticas de toda a Europa. Nos 70 cânones, que foram
resultado das três sessões plenárias[18] que
ocorreram nesta assembléia, ficou marcado a busca de um maior controle moral,
social e doutrinário por parte da instituição em relação a todos os seus
membros. Para a concretização desde plano, dentre outras iniciativas, a Igreja
instituiu a obrigatoriedade de certos sacramentos e normalizou a vida dos
religiosos de modo geral, elucidando várias obrigações que estes teriam que
realizar. Estes anseios da Igreja estão sendo abordados em canônes que tratam
de questões relacionadas às “heresias, ao governo eclesiástico, à correção dos
costumes, à formação dos clérigos, ao ministério pastoral, aos sacramentos, ao
casamento e aos excluídos – judeus e muçulmanos”.[19] Há que
salientar que este Concílio definiu o perfil do cristão ocidental ideal para os
próximos três séculos após sua reunião, e a preocupação de se reorganizar e
aprimorar o clero, cuja doutrina e disciplina eram tradicionalmente objetos de
análise em concílios.
Antônio de Pádua como todos os religiosos e leigos de sua época são
influenciados pela atmosfera e decisões que são tomadas na Europa. Dentro desta
realidade estaremos nos próximos capítulos analisando a vida e a obra do frade
português comparando-a as decisões de Lateranense IV, levando em consideração
os efeitos que estes fatores tem sobre tudo que se vive e se produz no mundo
medieval ocidental.
[1] Faz-se importante salientar que o fenômeno do feudalismo não se
manifestou da mesma forma em toda a Europa Ocidental, apresentando
particularidades regionais.
[2] RUIZ, Roberto. Antônio um Santo que falava Português.
Petrópolis: Vozes, 1995. p. 30
[4] MOORE, R. I. La Formacion de
Uma Sociedad Represora: Poder y Disidencia em La Europa Occidental, 950 – 1250.
Barcelona: Editorial Crítica, 1989. p. 72
[5] Idem. p. 86
[6] Idem. p. 54
[7] RUIZ, Roberto. Op. cit. p. 45
[8]
MACEDO, Jorge Borges de. Os Sermões de
Santo Antônio. Porto: Lello & Irmão, 1983. p. 13
[9] HARDICK, Lothar. Santo Antônio: Vida e Doutrina.
Petrópolis: Vozes, 1991. p. 15
[10] FALBEL, Nachman. Heresias
Medievais. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976. p. 38.
[11]
MOORE, R. I. op. cit. p. 47.
[12] SILVA, Andréia Cristina Lopes
Frazão da. Os Cátaros. Revista Campus,
Rio de Janeiro, 1988, n. 26, p. 22.
[14] FALBEL, Nachman. Heresias Medievais. São Paulo:
Perspectiva, 1976. p. 43
[15]
SILVA, Andréia Cristina Lopes Frazão da. O IV Concílio de Latrão: Heresia,
Disciplina e Exclusão.(complete esta nota por favor na correção)
[16]
BOLTON, B. A Reforma na
Idade Média. Lisboa: Edições 70, 1985, p.126.
[18]
SILVA, Andréia Cristina
Lopes Frazão da. O IV Concílio de Latrão: Heresia, Disciplina e
Exclusão.(complete esta nota por favor na correção)
[19]
SILVA, Andréia Cristina Lopes Frazão da. O IV Concílio de Latrão: Heresia,
Disciplina e Exclusão.(complete esta nota por favor na correção)
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